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CARTA ABERTA AO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DA ALIMENTAÇÃO

Política do regadio em Portugal tem de ser definida com uma participação pública efetiva e de base territorial.

Estimada Srª Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes

No âmbito da definição da nova estratégia nacional para o regadio público, o Ministério da Agricultura e da Alimentação veio, a 23 de maio de 2023, abrir o processo a contribuições do público (por correio eletrónico). No entanto, os objetivos gerais já estão definidos, sem que a definição do problema que se procura resolver seja também alvo de escrutínio, e incluem: a construção de novos regadios de grande dimensão, o reforço nas disponibilidades de água, a monitorização e a redelimitação (aumento) de perímetros de rega – que virão a ser definidos com pormenor pelos próprios agentes que os propuseram e que irão beneficiar diretamente desse investimento público.  Alega-se que assim estão criadas condições para a construção participada de uma Estratégia para o Regadio 2030, mas entendemos que assim não existe participação pública efetiva e consequente.

A estratégia para o regadio 2030 irá definir o investimento público e as políticas que determinam o uso de mais de 70% das captações de água do país, assim como novos armazenamentos e captações, pelo que a política do regadio é a política da água.

O envolvimento da sociedade não pode ser reduzido a um mero pro forma. Se entendemos a água como bem comum, a política da água não pode ser definida por um grupo restrito de atores, ficando a restante sociedade sujeita às consequências destas políticas.

Nova estratégia para o regadio carece de uma avaliação da anterior

Os últimos 20 anos testemunharam um avultado investimento público nas infraestruturas de regadio, na ordem dos milhares de milhões de euros. Este investimento criou infra-estruturas para uma tipologia de regadio – colectivo e de iniciativa estatal – e subsidiou ativamente um modelo de intensificação agrícola assente em monoculturas em grande escala, orientadas para a exportação. A dimensão da transformação dos territórios, nos perímetros de rega e fora destes, merece no mínimo, uma avaliação alargada dos seus múltiplos impactes. São hoje evidentes os impactes, geradores de desordenamento do território, de degradação da rede hidrográfica, de erosão do solo e de perda de biodiversidade, de exploração laboral e de concentração da posse e do uso do solo e da água, que precisam de análise e discussão para informar intervenções futuras.

Sem uma avaliação multidimensional do que foram os resultados e os impactes do programa nacional de regadios aplicado no decorrer das últimas décadas é impossível ter as bases para uma nova estratégia que seja minimamente alicerçada na realidade.

A definição da política da água tem de envolver toda a sociedade

O Governo apresenta o estudo «Regadio 20|30 – Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década» como orientador para a nova estratégia para o regadio. Este estudo foi coordenado pela entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, com a colaboração de, essencialmente, uma dezena de entidades, sobretudo ligadas ao setor agrícola e ao regadio em particular, com um importante peso daqueles que já são os principais beneficiários das políticas adotadas previamente. Embora este estudo tenha sido submetido a consulta pública, no final de 2021,  não existe nenhum relatório da consulta pública e desconhecemos qualquer incorporação das várias participações que foram submetidas.

Reconhecemos e afirmamos que a política do regadio é política da água. O processo de definição estratégica do regadio não pode ser encarado de forma exclusivamente sectorial sendo depois declarado o seu interesse público com base em supostos contributos para desenvolvimento rural. Não existe desenvolvimento sem envolvimento, pelo que têm de existir espaços para a discussão e construção conjunta, com atores institucionais e partes interessadas que vão para além das diretamente beneficiadas. É essencial um envolvimento imediato e consequente, através de processos de base territorial, cruciais nos territórios susceptíveis à desertificação e à seca.

Se é reconhecido que um aspeto chave da programação do regadio para a próxima década é o desenvolvimento rural sustentável, então é fundamental o envolvimento efectivo das organizações e movimentos da sociedade civil nas áreas social, ambiental e do desenvolvimento local procurando, coletivamente, melhorar o modelo de governança da água para que possamos reconhecer e enfrentar os desafios atuais e futuros.

As organizações e movimentos cívicos signatários desta carta, exigem a democratização do processo de definição da política nacional da água, no respeito pelos princípios de um Estado de Direito Democrático e pela defesa da água enquanto bem comum, da cidadania, do ambiente, do trabalho digno e da ruralidade viva.

ALENTEJO COM VIDA

ALMARGEM – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve

ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local

ANP|WWF – Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF

ASSOCIAÇÃO AMBIENTAL AMIGOS DAS FORTES (AAAF)

ASSOCIAÇÃO ECOTOPIA ACTIVA

ASSOCIAÇÃO VEGETARIANA PORTUGUESA (AVP)

GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente

JUNTOS PELO SUDOESTE (JPS)

LPN – Liga para a Protecção da Natureza

MOVIMENTO ALENTEJO VIVO (MAV)

MOVIMENTO PELAS ÁGUAS E SERRAS

MOVIMENTO proTEJO

MOVIMENTO RIO DOURO

MUNDA – Movimento em defesa do rio Mondego

OLHO VIVO – Associação de Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos

PALOMBAR

PLATAFORMA ÁGUA SUSTENTÁVEL (PAS)

PROJECT EARTH – Art, Ecology and Community

QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza

SOLIDARIEDADE IMIGRANTE (SOLIM) – Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes

SOS RIO MIRA

SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia

SPEA – Sociedade Portuguesa do Estudo das Aves

TAMERA – Centro de Investigação e Educação para a Paz

ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

ZERO WASTE LAB

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